Hemoglobina (Hb) é uma proteína presente em nossas hemácias (glóbulos vermelhos). A função da hemoglobina é transportar oxigênio no sistema circulatório. O termo “Hemoglobina Glicada” ou A1C se refere a um conjunto de substâncias formadas a partir de reações entre a Hemoglobina A (HbA) e alguns açúcares. Dessa forma, o exame de hemoglobina glicada consegue mostrar uma média das concentrações de hemoglobina em nosso sangue durante aproximadamente 90 dias - não podemos dizer que são durante todos os 90 dias porque a hemácia pode não ter ficado viva durante todo esse tempo. O termo “hemoglobina glicosilada” tem sido erroneamente utilizado como sinônimo de A1C. O processo de “glicação” de proteínas envolve uma ligação não enzimática e permanente com açúcares redutores como a glicose, ao contrário do processo de “glicosilação”, que envolve uma ligação enzimática e instável. Os componentes glicados da hemoglobina são reconhecidos porque alguns deles apresentam diferenças de carga elétrica (menos cargas positivas em pH neutro) e migram mais rapidamente que a HbA não glicada em um campo elétrico.
A mais importante dessas hemoglobinas, no que concerne ao Diabetes, é a fração A1C (HbA1c), na qual há um resíduo de glicose ligado ao terminal NH2 (resíduo de valina) de uma ou de ambas as cadeias beta da HbA. Dependendo do método de análise laboratorial, a A1C corresponde a cerca de 1 a 6% da HbA1 total em pessoas normais, alcançando até 20% ou mais em diabéticos mal-controlados. Na prática, os valores normais de referência vão de 4% a 6%. Níveis de A1C acima de 7% estão associados a um risco progressivamente maior de complicações crônicas. Por isso, o conceito atual de tratamento do Diabetes Mellitus (DM) define a meta de 7% (ou de 6,5%, de acordo com algumas sociedades médicas). A ligação entre a HbA e a glicose é um tipo de glicação não-enzimática, contínua, lenta e irreversível.
Entretanto, a primeira fase da reação entre a glicose e a hemoglobina é reversível e origina um composto intermediário denominado pré-A1C, HbA1c lábil ou instável, aldimina ou, ainda, base de Schiff. A segunda fase resulta em um composto estável tipo cetoamina, não mais dissociável, agora denominado de HbA1c ou, simplesmente, A1C. A hemácia é livremente permeável à molécula de glicose, sendo que a hemoglobina fica, praticamente, exposta às mesmas concentrações da glicose plasmática. A hemoglobina glicada se acumula dentro das hemácias, apresentando, portanto, uma meia-vida dependente da delas. No indivíduo normal a fração HbA1c representa, aproximadamente, 80% da hemoglobina A1 total. As outras frações da hemoglobina A1 originam-se da ligação de outras moléculas ao aminoácido valina presente na porção N-terminal da cadeia beta da Hemoglobina A: A1a1 (frutose-1,6-difosfato), A1a2 (glicose-6-fosfato) e A1b (ácido pirúvico). Quando o processo de glicação ocorre em outros pontos da cadeia beta ou da cadeia alfa, pode não ser detectado pelos métodos baseados na diferença de carga elétrica, resultando na fração A0.
A frequência recomendada dos testes de A1C é de pelo menos, duas vezes ao ano para todos os pacientes diabéticos e quatro vezes por ano (a cada três meses) para pacientes que se submeterem a alterações do esquema terapêutico ou que não estejam atingindo os objetivos recomendados com o tratamento vigente. Para o Diabetes recente, tem-se cogitado em utilizar A1C como teste de rastreio ou mesmo de diagnóstico para o DM como um possível substituto do teste de glicemia de jejum e do teste oral de tolerância à glicose (TOTG). Entretanto, os estudos têm demonstrado que a limitação dessa proposta não está relacionada com o fato de que valores altos de A1C indiquem a presença de DM, mas sim ao fato de que um resultado “normal” não exclui.
Portanto, torna-se fundamental a detecção das Hemoglobinas Variantes no teste de hemoglobina glicada (HbA1c). Existem dois tipos de interferência que podem ocorrer ao realizar o teste: interferência analítica, que depende do sistema utilizado e a interferência clínica, que depende da amostra analisada. No que diz respeito à interferência clínica, muitas hemoglobinas variantes provocam a diminuição do ciclo de vida da hemácias. Em alguns casos o tempo de vida das hemácias pode diminuir em 25%, como é o caso da Hb S, a variante da hemoglobina mais comum no Brasil. Como as técnicas de HPLC e Turbidimetria não detectam as hemoglobinas variantes, estas informações se perdem, e podem impactar na conduta terapêutica.
A dosagem de A1C em pacientes portadores de hemoglobina variante heterozigótica (exemplos: hemoglobinas C, S, E, e F), doenças como Anemia Falciforme e Talassemias, podem causar dificuldades na interpretação da HbA1c. Pacientes com história familiar destas doenças, afrodescendentes e asiáticos devem ser cuidadosamente avaliados, pois pode-se obter valores falsamente elevados ou diminuídos, conforme a metodologia aplicada, causando dificuldades na interpretação da HbA1c. Por exemplo, o tempo de vida dos glóbulos vermelhos é mais curto em adultos com Traço Falcêmico, o que pode resultar em menos tempo disponível para a glicação da hemoglobina e menores níveis de HbA1c medidos em relação aos valores de glicose, levando a uma liberação incorreta dos resultados e um falso negativo para Diabetes. Alguns métodos, baseados na cromatografia por troca iônica, podem identificar a presença de alguns tipos de hemoglobinas variantes, permitindo uma análise mais criteriosa do resultado. Já os métodos que utilizam o princípio do imunoensaio não são capazes de detectar a presença das diferentes hemoglobinas variantes. Portanto, a correta interpretação do exame, bem como a identificação dos possíveis fatores interferentes e conhecimento da metodologia aplicada é de fundamental importância para o ótimo controle do diabetes, garantindo que o paciente receba tratamento na medida certa.
Referências:
Grupo Interdisciplinar de Padronização da Hemoglobina Glicada - A1C. Hemoglobina Glicada. Posicionamento Oficial (Versão 2003). A importância da hemoglobina glicada (A1C) para a avaliação do controle glicêmico em pacientes com diabetes mellitus: aspectos clínicos e laboratoriais. Disponível em:<http://www.sbpc.org.br/upload/conteudo/320110603170201.pdf> Acesso em 06 de outubro de 2018.
Sumita N.M., Andriolo A. Importância da hemoglobina glicada no controle do diabetes mellitus e na avaliação de risco das complicações crônicas. Ed. 44. Med Lab. 2008 Pg. 169-174.
Reis FM, Castelo Branco RR, Conceição AM, Trajano LP, Vieira JF, Ferreira PR, et al. Incidência de hemoglobinas variantes em neonatos assistidos por um laboratório de saúde pública. Ed. AO4150. São Paulo. 2018.
Menezes M.D., Couto F.D, et al. Determinação de HbA1c por CLAE: interferência de variantes de hemoglobinas S e C e alta concentração de HbF. J. Bras. Patol. Med. Lab. vol.48. Rio de Janeiro. 2012.
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